The Project Gutenberg EBook of As Farpas: Chronica Mensal da Politica, das
Letras e dos Costumes, by Ramalho Ortigão and Eça de Queiroz

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Title: As Farpas: Chronica Mensal da Politica, das Letras e dos Costumes
       Agosto a Setembro de 1877

Author: Ramalho Ortigão and Eça de Queiroz

Release Date: July 6, 2005 [EBook #16214]

Language: Portuguese

Character set encoding: ISO-8859-1

*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK AS FARPAS: CHRONICA MENSAL ***




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Eça de Queiroz—Ramalho Ortigão—As Farpas

AS FARPAS

RAMALHO ORTIGÃO—EÇA DE QUEIROZ

CRONICA MENSAL DA POLITICA DAS LETRAS E DOS COSTUMES

NOVA SERIE TOMO X

Agosto a Setembro 1877


Ironia, verdadeira liberdade! És tu que me livras da ambição do poder, da escravidão dos partidos, da veneração da rotina, do pedantismo das sciencias, da admiração das grandes personagens, das mystificações da politica, do fanatismo dos reformadores, da superstição d'este grande universo, e da adoração de mim mesmo.

P.J. PROUDHON


SUMMARIO

Alexandre Herculano. O escriptor e o solitario de Valle de Lobos. A critica dos vivos e a critica dos mortos. A benevolencia e a justiça. A influencia que teve e a que podia ter o grande escriptor. A missão dos mestres O monumento da imprensa.—A recente viagem de suas magestades e altezas. No Bussaco, em Vidago, no Porto. Algumas notas aos annaes d'essa excursão.—Os attentados do sr. Barros e Cunha e a historia d'este personagem. O poeta lyrico, o deputado, o leitor do Times, o cortesão, o ministro. Diagnostico e prognostico.—Algumas producções musicaes: As cutiladas do Passeio Publico, polka; A Roma! a Roma! valsa.—Algumas palavras aos srs. advogados.—Os exames das meninas no Lyceu Nacional. Os fins da educação. Um programma de ensino para o sexo feminino. Como se prepara a emancipação da mulher. Duas catastrophes: o estado da litteratura feminina e o estado da cosinha nacional. Grito afflictivo do paiz: Menos odes e mais caldo.

O homem que teve na terra o nome glorioso de Alexandre Herculano pertence ao dominio da posteridade desde as 10 horas da noite de hontem, 14 de setembro de 1877.

Os que houverem de julgar na historia essa poderosa personalidade terão de considerar que dois cidadãos, inteiramente diversos, existiram na terra, succedendo-se um ao outro no individuo d'aquelle nome.

Um d'esses cidadãos é o historiador da nacionalidade portugueza e da inquisição em Portugal, o romancista do Monasticon, o poeta da Harpa do Crente, o profundo pensador, o sabio archeologo, o paciente erudito, o critico penetrante, o valoroso trabalhador, o grande artista, o inimitavel mestre.

O segundo dos cidadãos que passaram no mundo sob o nome de Alexandre Herculano é simplesmente o illustre solitario de Valle de Lobos.


Extranha evolução d'um mesmo ser! Aquelle que na primeira metade da existencia representa todas as vivas energias por meio das quaes o espirito póde actuar no impulso d'uma civilisação e no aperfeiçoamento d'uma sociedade, não é no segundo periodo da sua vida senão o objecto passivo e inerte d'uma designação ascetica, imposta pela banalidade rhethorica dos noticiarios—o solitario illustre!


Como philosopho, como investigador, como critico, como poeta, Alexandre Herculano cria em Portugal os estudos historicos; funda a mais importante collecção dos modernos trabalhos litterarios—o Panorama; enobrece a lingua com o seu stylo nitido e cortante em que a phrase tem o lampejo e o golpe dos passes de espada; honra o officio das letras com o porte rigido, austero e elegante de sua figura litteraria, em que se denuncia o contorno do guerrilheiro portuense envolto no capote branco dos romanticos de 1830, que elle sabia traçar com o garbo marcial d'Alfred de Vigny; cria escola; agrupa em volta de si uma mocidade que o admira e que o idolatra; espede o grito de guerra, que põe em armas a nova geração que vem despontando atraz d'elle; chama á peleja o partido ultramontano e desfecha elle mesmo os primeiros tiros que rompem as hostilidades da liberdade com o clericalismo; lança finalmente as bases do moderno movimento intellectual, suggere novas idéas, novas aspirações, novos interesses moraes, impulsionando vigorosamente a sua época por meio das fecundas agitações do espirito que acceleram nas sociedades vivas a elaboração do progresso.


Como illustre solitario de Valle de Lobos, Herculano rescinde a sacrosanta escriptura da responsabilidade universal, por via da qual o genio do homem se obriga tacitamente com a natureza a servil-a, como sendo elle mesmo a mais poderosa das forças de que dispõe o grande universo; desdiz com o seu repentino silencio todas as affirmações da sua grande voz; abjura da luz diffundida pelas suas palavras á sombra projectada pelas suas oliveiras; nega o movimento que creou pela inacção em que caiu; desdá finalmente todos os laços de solidariedade que o prendiam aos seus compatriotas e aos seus similhantes, que vinculavam o seu destino intellectual aos destinos da patria e da humanidade.

O dia do nosso grande lucto nacional não é aquelle em que expirou o solitario illustre, mas sim aquelle em que deixou de existir para o vertiginoso bulicio da vida publica o ardente escriptor, que no seio da multidão fluctuante, estrepitosa, leviana, indifferente, perfida, traiçoeira, ingrata, lançava ás praças e ás ruas publicas, lamacentas e sordidas, as suas idéas de cada dia, nobres, castas, desinteressadas, aladas pelo alphabeto typographico, adejando sobre as immundicias e sobre as dejecções da cidade, como douradas abelhas impollutas, que vão de alma em alma sacudindo das azas luminosas em pollen diamantino a divina verdade.


A isolação de Herculano no remanso esteril do dilettantismo bucolico, comprometteu o destino mental d'uma geração inteira. Pelo intenso poder das suas faculdades reflexivas, pela eminencia do seu talento, pela auctoridade da sua palavra, pela popularidade do seu nome, pela reputação nunca discutida da sua honestidade, elle era o homem naturalmente indicado para assumir o pontificado intellectual do seu tempo. A ausencia d'essa auctoridade do espirito sobre o espirito foi uma catastrophe para a geração moderna.

Tudo se resentiu na sociedade portugueza, com o desapparecimento d'esse alto poder moderador, destinado a ser o nucleo do seu governo moral.

Á tribuna parlamentar nunca mais tornou a subir um homem cuja voz firme, sonora e vibrante levasse até os quatro cantos do paiz a expressão viril das grandes convicções inflexiveis, dos altos e potentes enthusiasmos ou dos profundos e implacaveis desdens. Essa pobre tribuna deserta degradou-se successivamente até não ser hoje mais do que uma prateleira mal engonçada com algum lixo e o respectivo copo d'agoa.

A imprensa decaiu como decaiu a tribuna. Assaltada pelas mediocridades ambiciosas e pelas incompetencias audazes, a imprensa tornou-se um tablado de saltimbancos de feira, convidando o publico a 10 réis por cabeça, para assistir, entre assobios e arremessos de cenouras e de batatas podres, á representação da desbocada comedia, declamada em giria da matula por personagens sarapintados a vermelhão e a ocre, que mostram o punho arregaçado e sapateiam as taboas, como em sarabanda de negros e patifes, com os seus pés miseraveis.

A politica converteu-se em uma vasta associação de intriga, em que os socios combinam dividir-se em diversos grupos, cuja missão é impellirem-se e repellirem-se successivamente uns aos outros, até que a cada um d'elles chegue o mais frequentemente que for possivel a vez d'entrar e sair do governo. Nos pequenos periodos que decorrem entre a chegada e a partida de cada ministerio o grupo respectivo renova-se, depondo alguns dos seus membros nos cargos publicos que vagaram e recrutando novos adeptos candidatos aos logares que vierem a vagar. É este trabalho de assimilação e desassimilação dos partidos, que constitue a vida organica do que se chama a politica portugueza.

A arte desnacionalisa-se e afasta-se cada vez mais do fio tradicional que a devia prender estreitamente á grande alma popular.

A opinião publica, marasmada pela indifferença, deshabitua-se de pensar e perde o justo criterio por que se julgam os homens e os factos.

Se um pensador da alta competencia e da grande auctoridade de Alexandre Herculano tivesse persistido durante os ultimos vinte annos á frente do movimento intellectual do seu tempo, essa influencia teria modificado importantemente o nosso estado social.

Na politica ninguem como elle, com as suas opiniões extremas e radicaes, poderia originar a creação dos dois grandes e fortes partidos—o partido conservador e o partido revolucionario,—de cuja controversia depende essencialmente não só o progresso politico da sociedade portugueza, mas a propria conservação do seu regimen constitucional.

Na imprensa ninguem como elle poderia elevar a auctoridade da instituição com a sua palavra tão scintillante, tão denodada, tão propria para o debate, e com a sua experiencia tão esclarecida pela convivencia e pela cultura da historia.

Na opinião e no espirito publico, ninguem teria uma acção tão segura e tão decisiva, porque ninguem como elle gosou em Portugal d'um tão inteiro prestigio e d'uma tão completa e absoluta auctoridade.

Na arte, ninguem ainda mais proprio para levar a creação esthetica á fonte nativa da inspiração, á tradição historica, á raiz da paixão e do sentimento nacional.


Exercer essa alta direcção dos espiritos é nas sociedades modernas a missão dos grandes homens. Dos eminentes escriptores europeus d'este seculo Herculano foi o unico que espontaneamente abandonou na força da intelligencia e da vida o posto de honra a que chegára pelo esforço do seu trabalho e pela posse dos mais felizes dons com que a natureza o dotára.

Guizot, Michelet, Buckle, Proudhon, Stuart Mill, todos os modernos, todos os que vieram depois de definido pela Revolução o dogma do dever social, viveram combatendo até á ultima hora e morreram com a penna na mão.

Ha poucos dias ainda a França viu cair Thiers na estacada, em pleno combate. Era um velho pequenino, valetudinario, quasi rachitico. Desde muito tempo que elle era sufficientemente rico para gosar a tranquilidade egoista, imperturbavel, do mais poderoso principe. A sua longa vida fôra uma serie nunca interrompida de combates, de derrotas, de triumphos, das mais violentas commoções que podem opprimir e dilacerar uma alma. Ha dez annos que poucos teriam como elle o direito de solicitar um pouco de tranquilidade e um pouco de sombra. Elle todavia permanece no ponto mais temeroso da peleja, e é a essa pertinacia d'um só homem, tão debil e tão caduco que qualquer mulher poderia pegal-o ao collo e adormecel-o como um baby, que a França deve a sua reconstituição politica e social, e a democracia a affirmação mais poderosa e mais energica d'uma republica no coração da Europa.

Na Inglaterra, não já um homem mas uma simples mulher, que teve um papel decisivo no movimento das idéas modernas, Miss Martineau, ferida por uma lesão do coração, desenganada pela medicina de que não pode ter mais d'um anno de vida, concentra durante esse anno todas as suas faculdades na conclusão da sua ultima obra, conta a uma por uma em beneficio do seu similhante as suas derradeiras pulsações, e sob uma condemnação mais peremptoria e mais tremenda que a de Condorcet, arranca da sua invencivel vontade a energia precisa para escrever com a lucidez mais profunda, com a firmeza mais viril, com a coragem mais heroica, o admiravel livro em que depõe com a ultima palavra o ultimo suspiro.

Uma celebridade subalterna, um simples poeta, um romancista, um talento d'especialidade, tem o direito de fazer um livro e de se calar para todo o sempre; mas o cidadão em quem concorrem as multiplas aptidões cerebraes que constituem os espiritos superiores, as capacidades dirigentes, não tem esse direito.

A benevolencia devida aos vivos póde levar-nos a respeitar nos actos de cada homem um producto indiscutivel da sua liberdade; a verdade porém devida aos mortos, a incorruptivel verdade, tem diante dos tumulos o dever de considerar, em nome da justiça e em nome da sociedade, todas as condições que encaminharam ou desencaminharam uma existencia n'essa linha ideal a que convergem as mais altas aspirações da humanidade.

E é só assim que as gerações aprendem o que têem de agradecer e o que têem de perdoar aos obreiros do passado, tirando d'esse juizo austero sobre a missão dos que morreram, a regra moral a que têem de submetter-se aquelles que estão vivos.

A elaboração psychologica das causas que levaram o espirito de Herculano a quebrar as suas relações mentaes com a sociedade, é um importante estudo a que se acham obrigados aquelles que viveram na intimidade e na confidencia do grande escriptor. A sociedade precisa de saber que grau de responsabilidade lhe cabe no emudecimento d'essa voz. Porque a isolação d'Herculano não é um simples episodio biographico, é um facto social, é um dos mais tristes phenomenos da decadencia portugueza.

O exemplo do solitario de Valle de Lobos será profundamente nocivo, se não for cabalmente explicado como uma fatalidade sociologica.

Todos aquelles que trabalham com dedicação e com honra, que se consideram responsaveis diante dos seus similhantes pela conclusão do trabalho que a si mesmos se impuzeram, que se dedicam á sua missão, que vêem n'ella uma parte integrante da grande obra collectiva da humanidade, todos aquelles que teem na vida um fito superior e desinteressado, estão sujeitos em cada dia, em cada hora, em cada instante, á grande lucta da consciencia com as suggestões do egoismo, com a ingratidão dos homens, com a calumnia, com a traição, com o desdem. É perigoso para os que teem ainda, no meio da dissolução geral dos caracteres, esse vivo sentimento da solidariedade, essa corajosa dedicação do martyrio, essa persistencia no lento suicidio que é a vida de todos os que pensam e de todos os que luctam, o ver de repente sossobrar e afundir-se na fria impassibilidade e na tenebrosa indifferença o alto luminar destinado a indicar a uma geração inteira o arduo e penoso rumo do dever.


Lemos em um jornal que a imprensa de Lisboa, reunida em assembléa para o fim de pagar á memoria de Alexandre Herculano o tributo da sua admiração, resolvera abrir uma subscripção destinada a elevar um monumento ao insigne escriptor. Parece, segundo o mesmo boato, que não está ainda resolvido de que natureza será o monumento em projecto.

Se tivessemos a immerecida honra de sermos considerados pela imprensa como um de seus membros, eis o que proporiamos.


A obra monumental, posto que ainda incompleta do finado escriptor, a sua Historia de Portugal, é possivel que houvesse já sido lida, mas, com quanto escripta ha muitos annos, não foi por emquanto estudada.

Em todo o longo trabalho de investigação, de critica, d'analyse, de deducção, que constitue a materia d'esses quatro volumes, o publico portuguez não viu senão dois factos extremamente subalternos na obra do philosopho e na obra do artista:—a negação do milagre d'Ourique e das côrtes de Lamego.

O historiador da nossa nacionalidade não foi olhado se não debaixo d'um aspecto,—o aspecto das nossas superstições.

As origens do direito, da arte, da propriedade, da religião, da familia, da patria interessaram-nos d'um modo tão mediocre que nunca nos suggeriram uma idéa clara sobre qualquer d'esses phenomenos.

De tão multiplos problemas suscitados ou resolvidos pelo historiador da nossa vida civil, um unico nos commoveu até as mais intimas profundidades do nosso organismo social: Se Jesus Christo tinha ou não tinha vindo cavaquear com D. Affonso Henriques na vespera d'uma batalha, e se a derrota dos mouros fora ou não o resultado d'uma operação estrategica combinada de commum accordo entre os dois poderosos inimigos do kalifado de Cordova, o filho do conde D. Henrique e o filho de Deus.

Todas as demais questões debatidas nos quatro volumes da Historia de Portugal passaram inteiramente despercebidas do jornalismo portuguez, o qual não teve ainda, até hoje, occasião de publicar um artigo scientificamente fundamentado ácerca do papel do nosso primeiro historiador na direcção dos estudos historicos e na comprehensão das leis fundamentaes da nossa evolução social.

A homenagem que a imprensa deve prestar a Alexandre Herculano é a publicação d'esse estudo, porque o primeiro dever dos jornalistas perante um grande escriptor é mostrar que o leram. Com relação a Herculano essa divida está por saldar, e a imprensa tem que desempenhar-se d'ella com tanta mais promptidão, quanto é certo que o seu longo silencio podia ter sido uma das causas que levaram o iniciador dos trabalhos historicos portuguezes a talhar para si mesmo a triste mortalha em que desceu envolto para o tumulo—a mortalha do desprezo. Não conseguiu merecer-lhe mais o espirito dos contemporaneos.


Annaes da viagem de suas magestades e altezas pelos seus reinos segundo os telagrammas publicados por toda a imprensa e da acção civilisadora da mesma viagem sobre o espirito dos povos segundo os alludidos documentos.

CAPITULO I

Bussaco... d'agosto. Sua magestade Anjo da Caridade acaba, de chegar esta secular floresta acompanhada suas altezas Preciosos Penhores. Anjo passeou matta. Jantou 6 horas. Preciosos Penhores foram Cruz Alta companhia um dos seus preceptores. Jubilo povo inexcedivel.

CAPITULO II

Bussaco... d'agosto. Sua magestade Anjo encontrou interessante menino na serra e afagou. Commoção todos visitantes que presencearam acto Anjo afagar menino chegou lagrimas. Preciosos Penhores foram pé Fonte Fria. Jantar Anjo, Preciosos Penhores e Damas, 6 horas, 14 minutos, tempo medio. Jubilo povo augmenta progressivamente.

CAPITULO III

Bussaco... agosto. Anjo apreciou mediocremente rouxinoes gorgeando secular floresta. Chamados á pressa para gorgear na balseira bauda de infanteria 14 e cysne Mondego D. Amelia Jenny. Jubilo povo excitado por Quatorze e por Cysne innarravel.

CAPITULO IV

Bussaco... d'agosto. Sua magestade Anjo recusa licença a touristes comerem saborosos peixes ria d'Aveiro em secular floresta. Preciosos Penhores pequeno passeio durante 1 hora, 28 minutos, 14 segundos. Jubilo povo augmenta.

CAPITULO V

Bussaco... d'agosto. Desmente-se noticia Anjo prohibir touristes petisqueira saborosos peixes ria Aveiro secular floresta. N'este mesmo momento secular floresta saborosos peixes estão sendo comidos touristes com approvação d'Anjo. Preciosos Penhores pequeno passeio meia hora e 16 '1/2 segundos. Jubilo povo toca raias.

CAPITULO VI

Bussaco... d'agosto. Sua magestade Anjo e suas altezas Preciosos Penhores acabam de partir Porto, comboyo expresso. Anjo e Preciosos Penhores não mais a secular floresta. Raias ultrapassadas por jubilo povo.

CAPITULO VII

Vidago... d'agosto. Sua magestade Excelso Soberano, acompanhado duas phylarmonicas e quarenta maiores contribuintes montados quarenta maiores eguas, chegou sem novidade real saude. Indiscriptivel jubilo povo.

CAPITULO VIII

Vidago ... d'Agosto. Excelso Soberano foi tomar aguas 10 horas. Voltou tomar aguas 4 horas. Jantou 6 horas. Centenares de pessoas presencearam acto Excelso Soberano tomar aguas. Grande ardor geral pelas instituições monarchicas e pela dynastia. Jubilo povo tende a augmentar, se possivel fôr.

CAPITULO IX

Vidago ... d'agosto. Excelso Soberano encontrou real passagem dois rapazes de joelhos. Excelso Soberano afagou. Lagrimas punhos faces pessoas viram Excelso Soberano afagar rapazes joelhos. Jubilo povo toca zenith.

CAPITULO X

Vidago ... d'agosto. Excelso soberano partiu tarde acompanhado phylarmonicas, contribuintes e maiores egoas. Estes logares, ausencia excelso soberano e real sequito, convertidos triste ermo. Jubilo povo impossivel descrever palavras humanas.

CAPITULO XI

Porto ... d'agosto. Hoje, fim da tarde, entrada triumphal n'este Baluarte liberdade sua magestade Anjo da Caridade acompanhada de suas altezas Louras Creanças. Jubilo povo de Baluarte e concelhos ruraes adjacentes delirante.

CAPITULO XII

Porto ... d'agosto. Presidente camara municipal disse a Anjo da Caridade que Baluarte se gloriava ter Anjo no seio. Jubilo povo frenetico.

CAPITULO XIII

Porto ... d'agosto. Louras creanças passear Palacio Crystal. Anjo não passeiar Palacio Crystal. Jubilo povo febril.

CAPITULO XIV

Porto ... d'agosto. Anjo e Louras Creanças foram photographar-se ao atelier Fritz. Duas innocentes meninas entregaram ramos de flores a Anjo da Caridade. Anjo afagou. Circumstantes lagrimas em fio pelas faces. Anjo e Louras Creanças retrataram-se em cinco posições differentes, que são todas as posições de que é susceptivel o corpo humano, a saber: em pé, sentados, ajoelhados, acocorados e deitados. Jubilo povo vertiginoso.

CAPITULO XV

Porto ... d'agosto. A este Baluarte liberdades patrias acaba chegar augusto Neto heroico Pedro IV. Presidente camara municipal disse Baluarte se gloriava ter Neto heroico Pedro no seio. Colxas dos defensores Baluarte ás janellas. Jubilo povo epileptico.

CAPITULO XVI

Porto ... d'agosto (urgente) Rapazes achados Vidago por Neto heroico Pedro IV entraram Baluarte liberdade em exposição triumphal. Rapazes precediam coche real de joelhos em carruagem descoberta. Jubilo povo, vendo rapazes exposição joelhos carruagem descoberta, inultrapassavel.

CAPITULO XVII

Porto ... d'agosto. Neto heroico Pedro IV, Anjo Caridade e Louras Creanças regressam hoje comboyo expresso a Lisboa. Governador civil, bispo, senhoras, beijar mão Neto, Anjo, Louras Creanças. Derradeiro adeus estação. Baluarte liberdade sem Louras Creanças, Anjo e Neto, medonho ermo. Jubilo povo intradusivel linguagem humana.

NOTAS

AOS ANNAES DA VIAGEM DE SUAS MAGESTADES E ALTEZAS

A

Desmente-se noticia Anjo prohibir touristes petisqueira etc. Informações subsequentes ministradas aos jornaes pelo Banhista de Luso explicam a materia do capitulo que principia pelas palavras acima reproduzidas.

Os touristes a quem foi denegada licença para celebrarem um pic-nic dentro da floresta do Bussaco, requereram respeitosamente a sua magestade que se dignasse conferir-lhes a permissão de comerem os peixes que tinham pescado para o pic-nic, não já dentro, mas sim fóra da matta.

Foi a este segundo requerimento, attendendo ás supplicas dos touristes e ao estado em que começavam a achar-se os peixes, que sua magestade se dignou de deferir de um modo inteiramente amavel e munificente.

O precedente estabelecido pelos touristes do Bussaco deixa-nos porém immersos na mais acerba incerteza ácerca dos pontos da superficie solida do reino em que nos é licito comermos peixe sem invadirmos as residencias de suas magestades.

Porque, desde o momento em que não só as grandes serras mas tambem as bacias dos valles adjacentes se consideram, pela jurisprudencia invocada no Bussaco, como dependencias dos aposentos da real familia, ficamos perplexos sobre se o safio que pescámos esta manhã no logar do Bico na praia da Cruz Quebrada o poderemos comer em nossa casa sem por este facto invadirmos, posto que inconscientemente, a sala de jantar dos nossos reis. E pedimos ardentemente para sermos esclarecidos sobre a solução d'este problema:

Dado um safio pescado á linha na ponta do Bico na praia da Cruz Quebrada; achando-se a Cruz Quebrada na dependencia geologica do Paço de Queluz pelo valle da ribeira do Jamor, e do Paço da Ajuda pelas quebradas e pelas vertentes da serra de Monsanto; achando-se por outro lado o safio ao lume dentro do seu respectivo tacho, entre duas camadas de cebola e tomate, com o competente fio d'azeite e o devido pimentão; tendo tido cinco minutos de fervura e havendo sido sacudido por duas vezes sem se destapar o tacho;

Pergunta-se:

Se podemos passar a comer o safio, collocados na dita latitude da Cruz Quebrada, entre os reaes paços de Queluz e da Ajuda, sem por esse acto faltarmos ao respeito devido á inviolabilidade das montanhas, dos valles e das ribeiras que suas magestades se dignaram eleger para residir.

Esperamos, com o safio ao lume e com o acatamento mais profundo pelas reaes ordens, que o sr. Barros e Cunha, encarregado juntamente com o sr. Alcobia de transformar as matas do reino em aposentos de sua magestade, queira dizer-nos se o monte em que habitamos pertence ou não ao numero d'aquelles que s. ex.ª se acha mobilando para recreio de suas magestades em collaboração com o seu socio nas reformas do ministerio das obras publicas o sr. estofador Alcobia.

O melhor talvez—permittam-nos os srs. Barros e Alcobia suggerirmos esta ideia—seria, para não estafar muito o ministerio de suas excellencias com o despacho de repetidas petições do caracter da nossa, que suas excellencias assignalem com marcos geodesicos as regiões que vão ser forradas de papel para aposentos reaes, e que n'esses postes se especifique com os devidos letreiros: Aqui se pode comer o saboroso peixe ou Aqui o saboroso peixe se não pode comer.

E o paiz todo beijará reconhecido a mão energica dos srs. conselheiros da coroa Alcobia e Barros e Cunha!

B

Rapazes achados Vidago por Neto heroico Pedro IV entraram Baluarte liberdade em exposição triumphal. Correspondencias minuciosas explicam detidamente o episodio narrado n'este capitulo.

El-rei encontrava todos os dias, em determinado ponto dos seus passeios, dois rapazes que se ajoelhavam por occasião da passagem de sua magestade. El-rei commovido com a precocidade de uma bajulação tão vigorosa manifestada em annos tão verdes, indagou-se uma tal affirmação de subserviencia procedia de preleções previas dadas por algum aulico ou se representava um movimento instinctivo no caracter dos dois adolescentes. Descobriu-se que os meninos ajoelhavam por effeito da mais pura pusilanimidade organica. Sua magestade resolveu, em vista de tão honrosas informações, levar comsigo os dois esperançosos jovens e encarregar-se da sua educação. Foram esses dois rapazes os que entraram em trinmpho na cidade do Porto, indo em carruagem descoberta e precorrendo as ruas adiante da carruagem de sua magestade. Não sabemos se durante todo o precurso do cortejo os rapazes se conservaram, como deviam, sempre de joelhos. O que é certo é que o quadro a que nos referimos commoveu muito as pessoas que o presencearam, segundo asseveram todas as noticias do Porto e de Vidago.

Folgamos de poder completar as informações colhidas por el-rei ácerca dos seus pupillos com o fructo das nossas proprias indagações, porque é de saber que os rapazes de joelhos não apparecem unicamente a sua magestade, apparecem a todos aquelles que viajam nas estradas do Minho e de Traz-os-Montes. O que escreve estas linhas por mais de uma vez se encontrou com o commovente quadro, não deixando nunca de o saudar com um expressivo meneio do seu bordão, perante o qual os rapazes em joelhos se punham em pé com uma velocidade cheia de convicção e de enthusiasmo. E nós, então, diziamos-lhes com a mais pesada voz:

—Ah! poltrões! Ah! covardes! Ah! sapos! Que se torno a encontrar algum de joelhos deante de mim, applico-lhe uma carga de pau, que lhe ponho o lombo mais negro que o de um melro! Teem o atrevimento de pedir esmola, seus sicarios?... E ainda por cima se me desculpam com o exemplo de Jesus Christo?! Nosso Senhor tambem pediu!!... Em que escola aprendeste tu a cartilha, meu grande camello?... O que tu merecias é que eu te metesse uma zaragatoa de pimenta n'essa bocca para te ensinar a blasphemar! Jesus pediu esmola, mas não foi para que tu a pedisses tambem, grande vadio! Jesus pediu esmola para te honrar com a sua confraternidade, para te mostrar que apesar de teres lendeas, de trazeres as orelhas sujas e de andares descalço, tens, pelo facto de ser homem, uma origem divina e que te deves respeitar tanto a ti proprio como se fosses um imperador ou um rei. Para te tornares digno do grande obsequio que te fez Jesus andando pelo mundo a pregar a igualdade e a fraternidade de todos os homens, feitos, segundo o mesmo Jesus, á imagem e similhança de Deus, a tua obrigação é lavar a cara e as orelhas, conquistar pelo trabalho uns sapatos para esses pés e trazer-me essa cabeça levantada e firme como quem tem a convicção de ser tanto como qualquer outro. Foi para isso que te ensinaram que Deus andou pelo mundo a pedir, percebeste, grande mariola? Deus pediu para se parecer comtigo, dando-te por esse modo a aspiração de te pareceres egualmente com elle fazendo-te uma pessoa limpa e honesta. Deus consentiu em pedir pela mesma razão que consentiu em ser crucificado, não para dar o exemplo da mendicidade e do homicidio, mas sim ao contrario para que a sociedade se reconstituisse no sentido de não tornar a haver quem enforcasse nem quem pedisse. O pão nosso de cada dia ganha-se com essas duas pernas que Deus te deu para trabalhares e não para te pôres de joelhos nos caminhos a pedir esmola a quem passa. Jesus nunca se ajoelhou senão debaixo do trabalho representado pela sua cruz ou diante do amor representado por sua mãe. De joelhos perante a minha força ou perante o meu dinheiro tu és indigno da tua gerarchia d'homem e não passas de uma besta sordida e immunda.

Depois de praticas da natureza d'esta, que nunca deixamos de fazer aos rapazes que nos appareceram ajoelhados pelos caminhos, e as quaes praticas sempre acompanhamos de temerosos gestos mostrando o punho cerrado e os bicos dos nossos sapatos—de tres solas repregados de terriveis tachas vingadoras, de duas azas, do tamanho de moscardos—concluiamos por uma eloquente peroração perguntando aos rapazes onde era a escola.

Temos a honra de informar sua magestade el-rei que os rapazes que apparecem de joelhos pelas estradas não sabem nunca onde fica a escola.

Os paes não os ensinam a ler. Creados na abjecção da mendicidade, habituados a fingir, a choramigar, a carpir, costumados desde pequenos a serem maltratados, repellidos, injuriados, tornam-se homens servis, rasteiros, malevolos, vingativos, mandriões e covardes.

São elles os que em maior numero contribuem para o consumo das facas de ponta, para o exercicio das policias correccionaes, para o repovoamento successivo das cadeias e dos hospitaes.

Sua magestade esqueceu que, em quanto esses rebentos da preguiça, esses embriões do vicio e da miseria se ajoelhavam aos seus pés, outros pequenos cidadãos uteis estavam na escola ou nos casaes circumvisinhos, uns aprendendo a ler, outros ajudando as suas mães a metter o pão ao forno, a deitar o feno ás vacas, a acarretar a lenha, a enfeichar as medas ou a debulhar o milho.

Sua magestade, agasalhando os vadios e expondo-os em triumpho aos olhos dos laboriosos, deu um exemplo que influirá nos costumes e a que podémos chamar:—o premio Monthyon da malandrice.


Um attentado unico sem precedentes nos fastos do arbitrio executivo acaba de ser impunemente perpetrado contra a ordem moral por um ministro da corôa, o sr. Barros e Cunha.

Quando os erros dos ministros versam sobre os negocios das suas respectivas secretarias a critica pode consideral-os sem protesto, como phenomenos normaes em um regimen em dissolução destinado a acabar um pouco mais tarde ou um pouco mais cedo.

Quando porém a acção do poder exorbita da mancommunação ministerial, da intriga parlamentar e da ficção administrativa, para invadir a esphera do trabalho individual e para violar accintosamente os direitos inalienaveis dos cidadãos, a critica deixa então de proceder pelo desdem, e embora continue a sorrir, tem o dever de pegar no mesmo tição com que Renaldo de Montauban chamusca no poema gaulez as barbas de Carlos Magno, e de barbear s. ex.ª o alto funccionario delinquente.


Precisamos de esboçar um pouco de mais alto a physionomia do personagem antes de nos occuparmos da natureza dos seus ultimos actos.

Antigo poeta lyrico de inspiração canalisada pelos jornaes poeticos e pelos albuns das meninas provincianas, o sr. Barros e Cunha, abandonando a carreira poetica, foi enviado na idade madura á camara dos deputados na qualidade de leitor do Times por um circulo do reino em que se não sabia inglez.

Classificado desde logo na familia zoologica dos mediocraceos, foi declarado inoffensivo pela unanimidade dos votos de ambos os lados da camara. O uso quotidiano de uma palavra irresponsavel, que elle debalde tentava sublinhar malignamente sem conseguir que ninguem se occupasse em a controverter, deu-lhe a facilidade de emittir intermitentemente um determinado numero de sons articulados sem connexão logica, sem forma litteraria, sem criterio philosophico, sem intuito politico, os quaes sons reunidos constituem a collecção dos discursos parlamentares de s. ex.ª.

Todos se lembram de o ter visto em cada uma das sessões das ultimas legislaturas levantar-se do seu logar no meio da indifferença bocejante da camara e da galeria, folhear os numeros do Times collocados sobre a sua carteira, e abrir o dique da incontinencia oratoria, despejando as palavras n'um tom de melopêa com a sua voz ao mesmo tempo doce e nazal, como a de quem falla por um nariz de assucar.

No discurso proferido viam-se desfilar processionalmente as diversas partes da oração, cadenceadas, graves, acertando o passo, olhando para acenar, esperando umas, correndo outras para alinhar o prestito, fazendo roda entre parentheses para entoar um moteto, detendo-se para fazer signaes orthograficos a um adjectivo retardatario, continuando em seguida, para tornarem a parar d'ahi a pouco em torno de um verbo irregular, e proseguirem outra vez atraz de uma interjeição de duvida ou incerteza. Até que, sentindo-se cahir a tarde, principiando a esfalfar os membros do discurso, começando os adjectivos a sentarem-se pelos passeios, os substantivos a tirarem as botas a os adverbios a pedirem de beber, via-se finalmente, ao longe, por entre as tochas, envolto no pó do caminho, apontar o andôr com um simulacro de uma idéa velha, carcomida, safada, sacudida á rua de todas as casas, impellida adeante das vassouras por todos os varredores, apanhada successivamente por todas as carroças, e por ultimo arrancada do monturo ou do esgoto, lavada, grudada, repintada, retingida, posta em pé, especada entre duas ripes e produzida em publico por s. ex.ª, n'uma exposição solemne, ao fundo de seis columnas de prosa alambicada e caturra.

Estas fallas eram acompanhadas por s. ex.ª com variados gestos carinhosos e piegas: já de quem amamenta as methaphoras que tem ao colo, já de quem acaricia e afaga buliçosos tropos adjacentes, já de quem com o bico do lapis seguro nas pontas dos dedos se compraz em picar no ambiente argumentos hypotheticos voejantes entre o orador e a mesa adormecida.

Elle no entanto sorria de quando em quando, ironico e triumphal, circumgirando pela sala no fim de cada periodo um olhar destinado a indicar ao auditorio que dentro do seu pequenino craneo a malicia de Bertholdinho se achava alliada á finura de Polycarpo Banana.

Uma vez pelo menos em cada um d'esses discursos, quando o orador parando, tirava da algibeira da sobrecasaca o seu lenço branco e batia com os nós dos dedos na carteira para que lhe renovassem o copo d'agua, vozes de deputados repentinamente extremunhados applaudiam-o. O que não consta é que ninguem se lembrasse nunca de o contrariar.


Cahido o dente do sr. Fontes e chamado o sr. marquez d'Avila para formar novo ministerio, o sr. Barros e Cunha entrou no gabinete a titulo de «caracter conciliador.» Deputado ás cortes em successivas legislaturas, tendo a palavra em quasi todas as sessões, tão vigorosamente havia servido a causa ecletica da banalidade que não conseguira crear um unico adversario. Taes foram os titulos que levaram s. ex. aos conselhos da corôa.

Repentinamente investido no cargo de ministro das obras publicas, do commercio e da industria, s. ex.ª para quem a industria, o commercio, as obras, eram outros tantos porticos inaccessiveis, envoltos nas trevas mais augustas, resolveu seguir uma linha de proceder que o levasse á popularidade sem o intrometter na gerencia e na direcção dos negocios.

Para esse fim s. ex.ª começou a passear as ruas de Lisboa montado na imagem rhetorica em que Napoleão nos apparece nos discursos do sr. Manuel da Assumpção. Aos sabbados s. ex.ª tomava o caminho de ferro e dirigia-se em carruagem salão a todos os pontos da provincia em que houvesse uma fabrica, uma officina, um monumento publico para que olhar, e uma phylarmonica para o ir esperar á gare.

No desempenho d'esta primeira parte do seu programma s. ex.ª foi de uma actividade e de uma energia sem exemplo. Amanhecia a cavallo, anoitecia a cavallo, e deitava-se na cama, altas horas, para dormir um momento—tambem a cavallo. Estes exercicios de gineta amestraram o cavallo de s. ex.ª até o ponto de poder elle proprio ser ministro—em liberdade.

Nas suas digressões pelos centros fabris das redondezas da Extremadura o zelo de s. ex.ª pelos principios do seu programma administrativo não conhecia limites. Eis uma amostra do caracter d'essas viagens hebdomadarias:

S. ex.ª chega a Thomar pelo trem do correio ás 12 horas 45 m. da tarde. Uma phylarmonica espera-o na estação de Payalvo e acompanha-o ao som do hymno da carta até casa do sr. conde de Thomar. Ás duas horas da madrugada s. ex.ª ceia e levanta tres brindes a Thomar, á real familia e á carta. A' 4 horas 25 minutos encerramento de s. ex.ª nos aposentos que lhe estavam reservados e leitura do Times até ás 5 horas 30 minutos. A's 5 horas 31 minutos s. ex.ª descalça metade das botas e repousa um momento deitando-se sobre uma orelha e escutando com a outra os eccos do hymno da carta. A's 6 horas, convergencia das forças musculares de s. ex.ª sobre os puchadores das suas botas e pedido d'agua morna para a barba de s. ex.ª A's 7 horas, sabida de s. ex.ª dos aposentos que lhe estavam reservados, presença de s. ex.ª no terraço da casa e aspersão dos raios visuaes de s. ex.ª sobre a paisagem circumjacente. A's 8 horas recepção da camara municipal e dos tres ou quatro maiores contribuintes. A's 9 horas almoço com brindes de s. ex.ª á carta, a Thomar e á real familia. A's 10 horas ida para a fabrica de fiação. As' 12 horas lunch na fabrica e brindes de s. ex.ª á real familia, a Thomar e á carta. A' 1 hora da tarde volta para Thomar, jantar e brindes de s. ex.ª á carta, á real familia e a Thomar. A's 3 horas 36 minutos partida, cortejo, hymno pela phylarmonica na estação de Payalvo e regresso de s. ex.ª á capital.


Uma vez por semana, ás quintas feiras, s. ex.ª acompanhava os seus collegas ao Paço. Tendo mostrado sobre o chouto da allegoria do sr. Manuel da Assumpção que possuia uns rins de bronze; tendo provado nas digestões accumuladas das mayonaises do sr. conde de Thomar e dos pudings da fabrica de fiação que era dotado de um estomago d'aço, s. ex.ª aproveita os seus encontros com o soberano para convencer a côrte, de que reune a esses dotes anathomicos a feliz particularidade de uma espinha de cebo.

Submettido ao olhar de suas magestades constatou-se que a posição vertical de s. ex.ª dobrava como uma vela ao sol, sob a temperatura de 35 graus Reaumur. Contemplado pela rainha s. ex.ª deprimia-se progressivamente, acachapando-se. O seu uniforme fazia as pregas de uma concertina que se fecha. A rainha, caridosa, olhava então para outra parte a fim de que os tecidos democraticos do seu secretario de estado não acabassem de derreter, deixando nos degraus do throno, como despojo de quanto representara no Paço o departamento das obras publicas, um fardamento, uma calva e uma nodoa.

Impedido de fundir, s. ex.ª procura manifestar por outros actos o ardor do seu zelo como novo aulico.

Para esse fim atropela as disposições legislativas que regulavam o arrendamento das casas do Bussaco entregues á administração geral das mattas, rescinde os contractos legalmente feitos com os arrendatarios, expulsa as familias que habitavam o convento, e offerece este a sua magestade a rainha para ella passar a estação calmosa—nas casas dos outros.

Desde o tempo dos antigos aposentadores móres, que precediam os reis absolutos nas suas viagens e faziam despejar as casas occupadas por seus donos para n'ellas se instalar a corte, nunca o servilismo ousara fazer reviver para lisongear os reis um dos mais oppressivos privilegios monarchicos, o privilegio das aposentadorias, abolido desde 1820. Os mais atrevidos e insolentes mandões não ousaram jámais ultrajar por tal modo o direito e a liberdade. Era preciso para isso ter como o sr. Barros e Cunha a natureza chineza de um mandarim; pousar no paço tão passivamente e tão irresponsavelmente como pousa um boneco de porcelana, acocorado a um canto n'uma prostração burlesca, bolindo automaticamente com a cabeça e deitando a lingua de fora ou mettendo-a para dentro, segundo leva ou não leva da real mão um piparote na nuca.

Para bajular el-rei como bajulára a rainha o mandarim sr. João Gualberto determina que obras extraordinarias se façam na estrada de Vidago e manda abonar por conta do ministerio das obras publicas salarios na importancia exorbitante de 1$200 réis por dia aos operarios empregados em um dos lanços da estrada alludida.


Estes factos porém, definindo cabalmente o mandarim pela sua face de cortezão, não o definiam sufficientemente pelo seu lado de ministro. Os conselheiros de s. ex.ª tangeram-o na nuca para o fazer deitar de fora algumas portarias. Aproveitou-se o pretexto das obras da Penitenciaria, e s. ex.ª principiou a verter portarias sobre essas obras. Foi então que no Diario do Governo appareceu o documento que nos propomos analysar e começamos por transcrever:

«Sua magestade el-rei, a quem foi presente o processo relativo ao contrato celebrado em 18 e 19 de setembro de 1876 pelo director das obras da penitenciaria central de Lisboa com João Burnay, para fornecimento de ferros para as obras d'aquelle estabelecimento, considerando:

«1.° Que esse contrato se encontra viciado;

«2.° Que n'elle se não observou o que dispõe o artigo 10.° do regulamento de 14 de abril de 1856 e circular de 15 de maio de 1862;

«3.° Que não se abriu praça nem se fez deposito algum, conforme dispõe a circular de 15 de maio de 1857, e as clausulas e condições geraes de empreitadas das obras publicas de 8 de março de 1861;

«4.° Que ao contrato, por conta do qual o empreiteiro recebeu adiantadamente na importancia de 88.889$312 réis, falta a approvação do governo, segundo o disposto no artigo 2.° das mesmas clausulas e condições geraes e da circular de 15 de maio de 1862:

«Ha por bem ordenar que se dê por findo e terminado o dito contrato, procedendo-se á liquidação dos artigos já fornecidos ou em deposito, observando-se de futuro todas as prescripções em vigor n'este ministerio para quaesquer contratos em que elle tenha de interferir.

«O que, pela secretaria de estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria, se communica ao director das obras publicas do districto de Lisboa, para os devidos effeitos, em referencia ao seu officio datado de 26 de junho ultimo.

«Paço, em 3 de julho de 1877.—João Gualberto de Barros e Cunha.

«Para o director das obras publicas do districto de Lisboa».

Por esta portaria rescinde-se sem mais appellação nem aggravo um contrato bilateral feito entre um industrial, o sr. J. Burnay, e o governo. Ora o governo não é um poder pessoal, de caracter intermitente ou caduco, que acabe com o sr. Avelino e que recomece com o sr. Barros e Cunha. O governo é uma entidade impessoal e constante.

O sr. Barros e Cunha é obrigado como ministro a manter todos os contractos feitos pelo seu ministerio, porque em quanto ministro o sr. Barros e Cunha não é um individuo, é o governo. O governo fez um contracto com o sr. Burnay, esse contracto acha-se em execução, o governo porem resolve por sua propria auctoridade rescindir o mesmo contracto, e manda passear o sr. Burnay. Vejamos com que fundamentos juridicos se annulla, sem mais formalidade que a publicação de uma portaria, um contracto de similhante natureza:

O sr. Barros e Cunha allega em primeiro logar:

Que o contracto se acha viciado. A isto responde o engenheiro constructor da Penitenciaria e signatario do contracto por parte do governo que a viciação allegada consiste em se haver alterado a data em que o sr. Burnay se compromette a concluir os seus trabalhos, mudando-se os numeros 1877 em 1876. O resultado d'esta viciação era collocar o sr. Burnay sob a acção de uma multa por não ter concluido a sua obra no praso prefixo. É evidente que não podia ser o sr. Burnay que viciasse o contracto raspando um algarismo que o interessa e substituindo-o por outro que o prejudica.

A viciação do contracto é por tanto um facto necessariamente alheio á intervenção do sr. Burnay.

A legislação invocada nos considerandos 2.° e 3.°, não tem cabimento, porque todos os regulamentos das empreitadas das obras publicas previnem os casos em que a concorrencia possa prejudicar a rapidez ou a perfeição do trabalho e em que o deposito póde ser substituido por fiança ou por outras garantias prestadas pelo empreiteiro. E ambos estes principios são reconhecidos pelo sr. Barros e Cunha, o qual contractou elle mesmo novas obras com o sr. Burnay depois da publicação d'esta portaria, sem abrir concurso e sem fazer deposito.

As affirmações contidas no considerando n.° 4, são puramente falsas, como já declararam publicamente os engenheiros Ferraz e Burnay. A falta da approvação do governo é uma mentira e o adiantamento de 88:886$312 réis é uma calumnia.

Suppondo porem que as obras devessem ser feitas por concurso e mediante deposito, perguntamos: que responsabilidade pelo facto de não haverem sido satisfeitas essas clausulas póde caber ao fabricante, ao fornecedor ou ao empreiteiro com quem o governo contractou? Queriam por acaso que fosse o sr. Burnay quem abrisse o concurso? que fosse elle quem a si mesmo se obrigasse ao deposito? Se não se cumpriram as formalidades a que a portaria se refere, a culpa é unicamente do governo. Como é pois que o governo rescinde um contracto por um facto cuja culpa é d'elle e não do individuo com quem elle contractou?

Podem aquelles que tem negocios com o governo ficar sujeitos a similhante arbitrio?

Póde o governo annullar assim um contracto em que se acham envolvidos interesses avultados d'aquelle com quem é feito unicamente porque o governo diz reconhecer que não contractou nos termos em que devia ter contractado?

Foi approximadamente isso mesmo o que fez a camara municipal com relação ao contracto do Passeio Publico. A camara rescindiu o contracto, mas o governo dissolveu a camara. Quem é que ha de dissolver o governo reu de delicto egual ao da camara?

Em vista de um tão flagrante attentado contra os seus interesses industriaes, contra o seu credito e contra a sua honra, porque a portaria alludida é cheia de vagas insinuações insultantes e injuriosas apesar de cobardemente rebuçadas, o sr. João Burnay representou ao governo requerendo que se lhe dê vista do processo em que é ao mesmo tempo accusado e punido, e que sobre o mesmo processo sejam ouvidos os fiscaes da corôa e da fazenda. O sr. Barros e Cunha não despachou esta petição e manteve os effeitos da sua portaria absurda, falsa, calumniosa, e infamante.

É a isto que nós chamamos o mais violento dos attentados perpetrado pelo arbitrio executivo contra a ordem moral e contra os direitos dos cidadãos.


O sr. Barros e Cunha é um criminoso diante do codigo e diante da carta.

A carta torna-o responsavel no artigo 103 por tres delictos que commetteu publicando a portaria de 3 de julho de 1877: por abuso do poder, por falta de observancia da lei, e pelo que obrou contra a liberdade e contra a propriedade de um cidadão.

Perante o codigo attentou contra dois dos direitos que a lei civil reconhece e protege como fonte e origem de todos os outros,—contra o direito de apropriação e contra o direito de defesa (artigo 359).

A insinuação feita ao sr. Burnay de ter viciado um contracto que elle não viciou e de haver recebido a titulo de adiantamento uma quantia que elle não recebeu, colloca o signatario da portaria que encerra essa calumnia sob a acção do artigo 2364 do codigo civil, que diz o seguinte:

«A responsabilidade criminal consiste na obrigação, em que se constitue o auctor do facto ou da omissão (na portaria ha a omissão e o facto) de submetter-se a certas penas decretadas na lei, as quaes são a reparação do damno causado á sociedade na ordem moral. A responsabilidade civil consiste na obrigação, em que se constitue o auctor do facto ou da omissão, de restituir o lesado ao estado anterior á lesão, e de satisfazer as perdas e damnos que lhe haja causado.»

Um só caso previsto no codigo pode relevar o sr. Barros e Cunha da responsabilidade civil e da responsabilidade criminal da portaria que perpetrou. Esse caso é o de completa embriaguez ou de provada demencia.


Cumpre notar que o cidadão João Burnay sobre quem pesa uma tal offensa não é um empreiteiro vulgar, um especulador de concursos ficticios simulados para apadrinhar intrigantes. João Burnay é um engenheiro de primeira classe, um mathematico distincto, uma intelligencia largamente cultivada, um caracter de uma honestidade inviolavel. Como trabalhador elle é o mais elevado exemplo que se pode propor á mocidade portugueza. Nenhum outro homem da geração moderna espalhou como elle em volta de si pelo puro exercicio das suas faculdades creadoras uma tão grande e tão preciosa actividade. É o proprietario e o chefe de uma grande officina modelo do seu genero. Pelo exforço do seu talento extrae da natureza os elementos que fazem subsistir honradamente na sociedade de Lisboa alguns centenares de familias. Todo o paiz em movimento de civilisação se lisongearia de o poder contar entre os seus filhos mais prestanles e mais benemeritos, porque é por meio da iniciativa de homens como elle que os estados se moralisam e se enriquecem.

Na nossa sociedade estagnada pela indolencia e pela corrupção elle é impunemente estorvado, calumniado, atraiçoado na mais legitima das suas aspirações—a aspiração do trabalho, por um ministro filho da intriga constitucional, sahido do parlamentarismo mais banal e mais chato, não exercendo nunca o trabalho nem sendo capaz de o respeitar em quem o exerce, tendo vivido sempre no parasitismo da politica, não produzindo coisa alguma, não tendo finalmente servido aos seus similhantes para outra cousa que não seja empobrocel-os quando come e corrompel-os quando governa.


Todavia não queremos mal ao sr. Barros e Cunha. Elle é simplesmente o producto fatal do seu meio. Inspira-nos um interesse sympathico a triste maneira de acabar que o está esperando. Os seus erros successivos offerecerão á critica e ao ataque uma vasta superficie exploravel. As suas faculdades não lhe permittirão defender-se.

D'aqui lhe fazemos uma prophecia: será medonhamente batido e deploravelmente derrotado, não porque offendeu o direito na pessoa de um trabalhador obscuro, o engenheiro João Burnay, não porque foi injusto, mas sim porque é inhabil e porque é fraco. É isto, e não aquillo, o que nunca lhe perdoarão os partidos politicos com os quaes irá dentro em pouco achar-se em hostilidade. Será o alvo das retaliações mais violentas, dos discursos mais acerbos na camara, dos artigos mais explosivos na imprensa. Hão de cercal-o como cercam os cães um javardo condemnado á morte. O improperio ha de se lhe aferrar ás espaduas e ha de mordel-o na nuca. A ironia ha de rir-lhe no nariz com uma gargalhada feroz, mostrando-lhe os dentes anavalhados e agudos,—de jacaré. A logica ha de lançar-lhe ao pescoço a sua golilha forrada de puas de ferro e hade leval-o de rastos por um grilhão atraz d'ella. A pilheria ha-de pôr-lhe rabos. A chalaça ha-de pegal-o com breu á cadeira de ministro. A chufa ha de coser-lhe as abas da casaca a um trambolho. A pulha ha-de deitar-lhe pós de sapatos. A laracha ha-de esguichal-o com tinta de campeche. A chacota ha-de fazer-lhe sair do nariz bandeirolas e baralhos de cartas. A troça ha-de dar-lhe no ventre estrondosas palmadas de zabumba em theatro de feira.

E nós apiedar-nos-hemos, por que nos magoam os espectaculos em que se destroe para sempre a dignidade de um homem. É por isso que damos ao sr. Barros e Cunha um conselho amigavel. S. ex.ª póde ser ainda um cidadão util e respeitavel. O que não póde é alliar esses titulos com o de ministro e secretario de estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria.

Ha uma cousa mil vezes mais meritoria do que ser um mau ministro, é ser modestamente um bom homem. S. ex.ª póde ser bom homem. Seja-o. Seja-o para honra sua e dos seus similhantes. Demitta-se. Vá para sua casa.

Ser um ministro do genero de s. ex.ª é facil. Não o ser, porém não é mais difficil. Vá para casa. Dizem-nos que é rico. É além d'isso anglomano. Vá para casa cultivar esmeradamente a sua anglomania, sem desdouro para si nem para a especie de que faz parte. A exiguidade do seu craneo, cuja circumferencia mede uma quantidade de centimetros extremamente inferior á que a sciencia anthropologica exige para a elaboração das grandes e fortes idéas, não o impede ainda assim de ser, por exemplo, um cultivador modesto e prestante. Os chapeus do fallecido sr. Thiers, do sr. Disraelli, do sr. de Bismark cahem até o pescoço de s. ex.ª e deixam a sua pobre cabecinha tanto á larga dentro d'elles como um ovo dentro d'um sino. Mas ninguem tem obrigação de possuir precisamente o cerebro d'um reorganisador e d'um estadista.

A massa cephalica de que s. ex.ª dispõe habilita-o perfeitamente para ser muito util, dirigindo a cultura da celebre batata-rim, tão rara, tão preciosa, tão procurada no mercado de Londres. S. ex.ª poderia ainda tentar nas suas vastas propriedades a creação em grande escala dos coelhos, á moda ingleza, o fabrico da manteiga, a queijaria, a piscicultura, o aperfeiçoamento das raças lanigeras, o estabelecimento das pateiras e das capoeiras-modelos, etc. Se s. ex.ª applicasse as forças do seu nervosismo a prestar á humanidade esses serviços modestos mas valiosos, s. ex.ª teria as grandes alegrias, as profundas satisfações tranquillas das naturezas harmonicas, e o seu nome seria querido e abençoado como o d'um cidadão prestadio e d'um homem de bem.

Persistindo em ser um politico, s. ex.ª deixará apenas na terra o desprezo com que a humanidade castiga aquelles que, imaginando servil-a, não fizeram senão prejudical-a.

Assim como a ferocidade, a incompetencia tem tambem os seus Attilas. A differença é, que uns requeimam a herva, os outros comem-a. O estrago é o mesmo.


O registo das producções musicaes portuguezas foi enriquecido durante o periodo a que se refere este volume com tres novas obras, qual d'ellas mais caracteristica e mais monumental. Passamos a consagrar a cada uma a attenção que lhe é devida.


As Cutiladas do Passeio Publico é o titulo de uma polka refutativa dos principios estheticos por onde os doutos costumavam até hoje determinar as fontes da inspiração artística.

Aos elementos que concorrem para a gestação de uma obra d'arte, a orientação ethnologica, a tradição nacional, o solo, o clima, os aspectos da paizagem, temos de accrescentar uma nova força geradora:—a força da pancadaria.

Na occasião em que os bons e pacificos burguezes de Lisboa tomavam o fresco de uma noite de julho no Passeio Publico do Rocio, do qual elles são os legitimos e directos senhores, a policia invade o alludido passeio e a pretexto de não estar plenamente liquidada a questão juridica de quem deve accender os candieiros e fechar as portas, a policia expulsa violentamente do seu passeio os burguezes e as suas respectivas mulheres, as suas mães, as suas irmãs e as suas filhas.

Á saida do passeio, uma força de soldados da guarda municipal que acudira em reforço da policia, encontra-se de frente com os burguezes que saem do jardim publico e procura recalcal-os para cima dos sabres policiaes que do lado opposto lhes veem picando os rins. N'esta conjunctura o publico, sentindo-se tanto á sua vontade como se o quizessem atarrachar entre as duas laminas de uma prensa, pergunta, por onde é que se lhe permitte que fuja. A municipal considera indiscreta essa pergunta, e desembainhando os seus sabres acutila os burguezes e as suas familias com o ardôr bellicoso de um exercito encarregado da transformar o paiz n'uma almondega.

Os restos do picado feito pela guarda municipal para alimento da ordem clamam vingança a altos brados. O acaso fornece-lhes armas, que elles regeitam. As cadeiras em que estavam sentados no jardim poderiam com vantagem desarticular alguns dos ossos mais importantes da força publica. As bengalas a que se apoiavam os chefes de familia, brandidas com intima convicção, chegariam talvez a introduzir alguma porção de cana da India e de sentimentos piedosos nos cerebros da soldadesca. Finalmente alguns bons socos applicados com arte não deixariam de fazer render as costellas e o espirito das tropas a uma conciliação amigavel.

As sobras da chacina marcial da porta do Passeio acham porem insufficientes para o seu despique todos esses recursos. Os briosos canhos, vingadores da bordoada recebida á chucha calada, recolhem-se a suas casas pedindo ás furias punição para os algozes e arnica para as victimas.

Ao cabo de uma semana de recolhimento e de agua de vegeto, o desforço popular rebentou finalmente, inexoravel e tremendo, sob a forma de polka.

Expulso ás cutiladas e aos cachações de um jardim que é seu, cuja propriedade e cuja posse elle pagou e repagou muitas vezes com impostos e contribuições municipaes, o povo de Lisboa vinga-se da carnificina que o estropia e da violação que o esbulha de uma propriedade que é tão legitimamente sua como a mesa a que janta ou a cama em que dorme, pondo o caso em musica e em dansa de roda!

Ó Lisboa! Lisboa! como tu estás demudada do que foste! Nos periodos ainda os mais vergonhosos da tua velha historia, no tempo d'esse fraco rei que fez fraca a forte gente, tu tinhas ainda um Fernão Vasques, simples remendão, que á frente de alguns populares reptava o proprio soberano a vir á igreja de S. Domingos dar-lhe satisfação dos seus actos mais intimos, da propria solução de seus amores. Hoje levas pontapés de um sargento na mesma parte do corpo que nobilitaste no presente seculo sentando-te nas cadeiras da representação nacional; e tendo feito um codigo dos teus inviolaveis direitos, tendo promulgado uma constituição, possuindo uma carta, um parlamento, uma imprensa, todas as garantias da liberdade, tu, que na idade gothica, chegavas com o teu braço poderoso á corôa de um rei absoluto, não chegas hoje, na era nova do direito, ás orelhas de um cabo de esquadra!

Ao pé da mesma igreja para onde ha quinhentos annos tu emprasavas o chefe augusto do Estado, levas agora tapona do policia Antunes, e a nada mais o emprasas senão a propinar-te uma segunda sova quando reajas á primeira!

Misera Lisboa! lastima a tua sorte: os teus remendões acabaram. Chora, cidade de marmore e de lixo, que os teus remendões morreram!

Aquelles que no vão de uma escada cosiam calças ou talhavam gibões, que não queriam ser vereadores, nem deputados, nem funccionarios publicos, que eram simplesmente o povo, bruto mas digno, não sabendo intrigar mas sabendo bater, não tendo a imprensa nem a policia correccional, mas tendo ao canto da porta um cacete ou um chuço, esses taes, que eram a arraia miuda, umas vezes soffredora e mansa, outras vezes vingadora e terrivel, esses desappareceram. Já não tens rudes filhos da plebe, tens delicados filhos de Minerva e de Thalia. A cultura moderna fez-te philarmonica. Substituiste a força da união pela União e Capricho. Quando te não chegam ao pello tocas o hymno. A phrase levar para o tabaco ha de modificar-se para teu uso na nova fórmula—levar para a musica.

Agora, como te abriram a cabeça um pouco mais profundamente que o costume, despicaste-te com uma polka especial.

As trombetas das tuas quarenta philarmonicas populares, que trombeteiam indistinctamente por tudo, que trombeteiam pelas instituições e pelos santos, pela carta e pelo Senhor dos Passos da Graça, pela restauração de 1640 e pelo enterro do bacalhau, pela real familia e pelo cyrio da Atalaia, por Garibaldi e por Santo Antonio de Padua, essas trombetas que expressavam alegremente o prurido dos teus jubilos principiam a expressar de um modo egualmente alegre o prurido das tuas confusões. Violam desaforadamente a tua propriedade e a tua pessoa e tu collocas essa questão de direito e de dignidade no terreno patusco dos bailes campestres! Expulsam-te do teu jardim adiante dos bicos das botas do habil Antunes ou do habil Castello Branco; trincham-te a cabeça com a semceremonia com que se trincham os melões; e tu danças a polka, a tua polka brilhante, As cutiladas do Passeio Publico!

O que receamos por ti, ó querida Lisboa, é que na proxima tosa que te appliquem, além de te quebrarem os ossos, te quebrem tambem os instrumentos musicaes, privando-te assim dos meios de flauteares a vingança monumental e tremenda. Occorre-nos lembrar aos grandes centros democraticos da capital a conveniencia de fundar uma reserva de clarinetes para que nunca se encontre desarmada perante a prepotencia da tyrannia a vindicta dos povos.

Emquanto á dignidade humana ... lalarilolé ... e emquanto á liberdade, ao direito e á civilisação ... lariléliló ... que nos importa isso?... Com as cabeças retalhadas pelos sabres policiaes o que nós queremos é panno adesivado ...lólaró ... e fios ... trolarilolé!

Como o philpsopho Diogenes a unica coisa que pedimos aos grandes da terra, além de unguentos, é que nos não interceptem o sol ... e dó!


O sr. Padre Conceição Borges fez cantar no theatro da Trindade uma operetta de que o dito clerigo compoz ao mesmo tempo o libretto e a partitura. O publico, pateando enthusiasticamente ambas as coisas, poz a peça fóra da scena á primeira recita, privando-nos do prazer de assistir ao notavel espectaculo, de que hoje nos resta apenas o titulo—Vamos a ellas!

Quem são ellas? Ellas, na bocca, no pensamento, na intenção do sr. Padre Conceição Borges, cremos que não podem ser senão as missas.

Mergulhamos como Curcio até o fundo de todas as hypotheses que esse perigoso problema nos suggere e não vemos que, sem offensa do grave caracter sacerdotal do sr. Padre Borges, se possa admittir que ellas não sejam as missas para serem qualquer outra coisa.

Ora sendo para as missas quo o sr. Padre Conceição quer ir e sendo para as missas que nós somos convocados a acompanhal-o, segundo a unica interpretação que pode ter o seu titulo, parece-nos que Sua Reverendissima torceu bastante caminho e que iria muito mais direito ao seu fito se, em vez de ter mettido pelo palco da Trindade com o seu spartito em punho, fosse directamente com a sua batina—para a sacristia das Mercês.


A Roma! a Roma! é o titulo de uma valsa annunciada ao publico pelo periodico religioso A Nação, e destinada a servir os mesmos designios piedosos que levaram o sr. Conceição Borges a ellas! a ellas!

Nada mais commodo do que esta intervenção da valsa nas praticas da penitencia e no regimen depurativo das almas para a mais elevada comprehensão dos interesses espirituaes e dos destinos eternos! Ir para Deus não pelas escabrosidades do martyrio mas pelas cadencias do cotillon é um dos mais notaveis serviços que a arte podia prestar á alliança da religião e do chic.

Affirmar o dogma dansando é uma ideia que vae revolucionar completamente os usos das salas. Nos bailes do proximo inverno inclinar-nos-hemos deante das meninas religiosas e diremos:

—Quererá v. ex.ª, minha senhora, ajudar esta alma a sahir do abysmo da impiedade conferindo-lhe a honra da proxima valsa?

E a menina a quem um homem se dirigir n'esses termos responderá erguendo os olhos ao céu.

—Sim pelas sete dôres da Virgem Immaculada.

E iremos em seguida para a verdade sacrosanta e eterna, aos pares deslisando em gyros ondulantes sobre os parquets polidos, cingindo com o braço direito os espartilhos palpitantes e electricos, segurando na mão esquerda um pulso delicado e macio, calçado em luvas perfumadas que chegam ao cotovello. Respiraremos o aroma penetrante do Iris de Florença exhalado das rendas aquecidas no seio do nosso par, sentiremos nas pontas agudas do bigode o contacto dos seus cabellos seccos e frisados, e no hombro o leve peso tepido e carinhoso do seu corpo d'ave. E conversaremos:

—Como a religião é boa! como é ineffavel!... Eu sinto a voz do meu coração contricto e humilhado exclamar como esta valsa: a Roma! a Roma!

—E começa a ter crenças?

—Oh! sim!... com impaciência! com frenesi! com delirio!... Esqueçamo-nos do mundo vil! Bem hajas tu que me chamaste para a fé!... Tu, minha candida pomba da arca!... Tu, minha estrella dos Magos!... Tu, meu anjo da guarda!...

—Bemdito e louvado seja Nosso Senhor, que me permittiu a mim, sua indigna serva, o encaminhar para o gremio da nossa Santa Madre Igreja uma alma que ia perder-se! Acredita na infallibilidade do nosso Summo Pontifice, não acredita?

—Acredito com furia, com raiva, com epilepsia! Não sente como o meu coração bate?... É pelos dogmas, é pelos concilios, que elle assim bate! Oh! maldito seja o seculo com os seus erros! maldito seja o mundo com os seus enganos! Amanhã precisamente tinha eu que fazer na secretaria dos Extrangeiros: não vou! não estou para isso! Para onde eu vou é para o mez de Maria. Que me demittam, se quizerem! que me ponham na disponibilidade! Que me importam a mim os bens terrenos? Prefiro perdel-os a encontrar-me no ministerio com o addido italiano que blasfema, que bebe a sua agua de Nossa Senhora de Lourdes ...

—Oh! se é um sacrilegio, cale-se por Deus! Podem ouvir-nos os pares que nos seguem ... Dariamos escandalo no meio da sacratissima valsa!

—Que eu lh'o diga ao ouvido, na sua pequenina orelha que parece uma joia de marfim cinzelada por Benvenuto Cellini para ornamento da cabecinha de uma Notre Dame de Lorette!... Elle bebe-a ao almoço ...

—Deus do céu!

—Entre a costelleta e a omelette ...

—Virgem Maria!

—Misturada com vinho de Pauillac ...

—Santos e Santas da côrte celeste!

—Em partes eguaes, metade vinho, metade agua ...

—Mas vae para o inferno essa alma!

—Está claro que sim. E é bem feito!

—Se não houvesse o inferno e o purgatorio elles ficavam-se a rir.

—Mas lá está o castigo, olá! O fogo eterno e o ranger dos dentes por todos os seculos dos seculos sem fim não é uma chimera. Hão-de amargal-as, que ha de ser um consolo—para nós!

—Amen! Amen, Jesus Maria José!

Assim conversarão elles e ellas durante a piedosa valsa A Roma! a Roma! Pela escada de Jacob d'essa musica sagrada as almas alar-se-hão ao empyreo, e irão pela via lactea fóra, sempre valsando, a demandarem a entrada para os salões de baile de Jehovah, prolongação logica das nossas soirées ao divino.


Aos srs. advogados

Meus caros senhores.—Escrevo-lhes estas linhas de cima de um boi, para onde resolvi vir habitar durante o mez corrente e o mez seguinte. Separa-me do amavel e discreto ruminante um tenue sobrado. Eu oiço-o mastigar pausadamente com a regularidade do tic-tac do meu cuco, elle ouve-me o ranger da penna, e raramente batemos para cima ou para baixo a pedir qualquer coisa um ao outro. A respiração d'elle é perfumada com o aroma do feno. Nunca cheira a caçarola suja nem a cano, como os predios da baixa. Não escreve obscenidades na parede da escada, e—coisa que lhe perguntei antes de o vir habitar—não toca piano.

De quando em quando, pela sesta, calço os sapatos ferrados, pégo no cajado que nos está ouvindo áquelle canto, accendo um charuto e saio de cima do boi para percorrer as montanhas circumvisinhas.

Em alguns casaes amigos permittem-me a troco do preço de meio alqueire de farinha o prazer de amassar eu mesmo o meu pão, de o enrolar, de o metter ao forno e de o trazer ás costas para casa, d'ahi a dez minutos, embrulhado n'um guardanapo, que ato pelas quatro pontas e que enfio no meu varapau.

Nas eiras collaboro na debulha, tomando as redeas de esparto das duas velhas eguas intonsas e ossudas e pondo-nos a trotar todos tres, ellas adiante de mim e eu atraz d'ellas, por cima da palha.

Tenho tambem relações nos moinhos, e cultivo a convivencia de moleiros obsequiosos que, quando lhes assobio, veem em mangas de camisa ao postiguinho, e conversam para baixo comigo ácerca do vento provavel para o outro dia.

É n'estas excursões em torno do boi sobre que resido que eu tenho ouvido os casos que me levam a dirigir aos srs. advogados estas humildes regras.


Em toda a circumferencia rustica a que serve de centro o meu boi, no mais extenso raio a que teem chegado os pregos dos meus sapatos, não ha familia que não tenha contribuído com algumas libras para o cofre dos srs. advogados. Sempre que algum dente das multiplas engrenagens do machinismo administrativo roça pelo ser de um pobre homem do campo, elle, aterrado com a ameaça da coisa odiosa que o obrigaram a reconhecer como a prepotencia mais implacavel sob o nome de justiça, vae ao advogado para que este o illucide.

Os principios geraes da organisação social que nenhum cidadão devia ignorar n'um paiz representativo são para a maioria dos portuguezes o mysterio mais profundo e mais insondavel. O homem do campo, especialmenie, não tem idéa alguma das attribuições dos poderes a que elle se acha subordinado como um dos membros do corpo collectivo que se chama o paiz. Não sabe senão de um modo deploravelmente vago e ambiguo o que é a camara municipal, a juiz de paz, o juiz de direito, o escrivão da fazenda, o administrador do concelho, a junta de parochia, o conselho do districto, a commissão do recenseamento, o delegado de saude, a policia, etc. De sorte que, em cada acto da vida civil em que o desgraçado se acha sob a acção de uma d'essas formas porque lhe apparece o principio da auctoridade, recorre ao letrado.

—Cá está comnosco a justiça! diz elle á mulher ao receber qualquer papel official.

—Seja pelas cinco chagas de Christo! suspira a mulher com as lagrimas nos olhos, atando as mãos na cabeça.

—Má raios partam a justiça e mais aquelle que a inventou, que se o apanhasse a geito, rachava-o de meio a meio com o sacho ceboleiro! e tinha alma de lhe beber o sangue!

Que o aviso recebido seja uma intimação para limpar o poço, para remover a estrumeira, para pagar um relaxe, para ser jurado, para mandar um filho á inspecção, para comparecer na camara, no tribunal, na administração ou na recebedoria, os lamentos são os mesmos, as mesmas pragas, a mesma deliberação final de perder o trabalho de um dia, de fazer a barba de vespera, de vestir o fato novo, de metter o pé de meia com os fundos de reserva na algibeira da japona e de ir de manhã cedo para a cidade a consultar um doutor. Como os mais pobres são tambem os mais ignorantes, são os pobres os que mais consultam e os que mais pagam. O procurador ou dá um simples conselho e custa isso cinco tostões, ou faz um requerimento e custa mil réis, ou redige um recurso e custa uma libra, ou toma conta da questão e pede dinheiro adiantado para as primeiras despesas, e custa vinte mil réis.

Acontece muitas vezes que o consultante não tem dinheiro e pediu emprestado o fundo do pé de meia. A necessidade porém de consultar o letrado é para elle uma fatalidade como a necessidade de consultar o medico. Com uma differença: Todos os medicos teem uma hora por dia em que dão consultas gratuitas aos pobres doentes. Os advogados não teem egual caridade com os ignorantes pobres. Além do soccorro desinteressado de todos os medicos, os doentes têem ainda o banco dos hospitaes. Para os ignorantes não ha recurso nenhum. A escola é inteiramente inutil para lhes acudir, porque a escola portugueza não ensina aos cidadãos quaes são os seus direitos nem quaes os meios de defesa perante a violação d'elles. E no emtanto a sociedade tem muito maior responsabilidade no facto da ignorancia do que no facto da doença. O Estado, que tem consultorios gratuitos para a saude, deveria com dobrada rasão ter consultorios egualmente gratuitos para a justiça. Os advogados pela sua parte, não contribuindo como contribuem os medicos para prestar á sociedade na maxima amplitude os serviço desinteressados que a sciencia Ihe deve, dão-nos dos sentimenaltruistas da sua classe, por tantos outros titulos respeitavel, uma idéa bem triste.

Os srs. advogadosa dizem-se os protectores do orphão e da viuva, o que nãos os impede de protegerem pelo mesmo preço os que opprimem a viuva e os que tyrannisam o orphão.

Os srs. advogados são com o ardor mais convicto e mais eloquente os defensores da causa da justiça e do direito e bem assim da causa contraria.

Os raptos de eloquencia por meio dos quaes os srs. advogados fulminam com heroica imparcialidade tanto o crime como a innocencia, são conscienciosamente tarifados para que o publico escolha segundo o preço que deseja pagar.

Entre os movimentos oratorios mais caros ha o grito estridente, a punhada cava no peito, as lagrimas bailando nos olhos, a commoção que se apodera do proprio orador, o desfallecimento, a syncope, etc.

O tempo preciso para expôr a questão e para levar a evidencia ao espirito do auditorio depende tambem do accordo previo, segundo a tabella dos preços. Como tempo é dinheiro, quem quer mais tempo paga mais caro. Quando o réu é abastado ou opulento a questão não se esclarece senão á noite, e o jury tem de jantar no tribunal. Quando o réu é pobre bastam quinze ou vinte minutos para elle ir socegado para a cadeia. O que escreve estas linhas já ouviu esta concisa oração de defesa: «Srs. jurados eu não tenho que dizer senão duas palavras: Esse selvagem (apontando para o réu) estava bebado.» Assim se justificava o crime de um homem que não tinha pago as circumstancias attenuantes ao defensor.


Não será util que, assim como fazem os medicos, os srs. advogados restrinjam o campo, que offereccem ás correrias do epigramma, introduzindo alguma caridade nas suas relações com os pobres? Não poderia cada um de s. ex.'as, destinar algumas horas d'um dia ou dois por semana, para dar consellhos gratuitos? Eis o que se nos offerece lembrar aos srs. advogados para que, no interesse da sua classe, s. ex.'as se dignem de o considarar em algum dos seus momentos d'ocio.


Os jornaes do mez passado trasbordaram de annuncios e de noticias pouco mais ou menos do teor seguinte:


«Mais um florão acaba de ser acrescentado á corôa da sr.ª D. Jeronyma, directora do bem conhecido e acreditado collegio de Nossa Senhora da Santíssima Purificação, rua de tal, numero tal, quarto andar, lado esquerdo. Foi hontem examinada em instrucção primaria e approvada com dez valores, no lyceu nacional, a menina Elvira Fernandes, alumna do referido collegio. O nosso amigo Polycarpo Fernandes, extremoso pae da jovem examinanda, profundamente grato ao zelo da sr.ª D. Jeronyma e aos carinhos dos examinadores de sua debil e tímida menina, a todos consagra, por este meio, seus indeleveis agradecimentos.»


A inundação dos artigos d'este genero prova que o exame publico no lyceu nacional começa a tornar-se um fim na educação ministrada ás meninas nos collegios de Lisboa.

A pedagoga sr.ª D. Jeronyma envida toda a honra da sua taboleta, todas as idéas da sua cuia e toda a actividade dos seus chinelos de trazer nas classes para dotar com o maior numero de exames as alumnas confiadas ás réclames das suas distribuições de premios.

Este anno a menina Fernandes foi approvada em instrucção primaria. Para o anno proximo será approvada em francez. D'aqui a tres annos obterá egual exito com relação á lingua ingleza.

O sr. Fernandes, cada vez mais reconhecido, terá publicado a esse tempo dez ou doze agradecimentos ao esclarecido zelo da sr.ª D. Jeronyma, e recobrará completamente educada a sua filha. A infatigavel e benemerita professora dá-a por prompta para entrar na sociedade mais escolhida. Ella sabe as linguas, toca o piano e tem, segundo o programma da sr.ª D. Jeronyma, as prendas de mãos proprias do seu sexo. Estas prendas consistem em fabricar palmitos de papel e em bordar entes fabulosos, de uma monstruosidade mythologica, feitos a lãs, a matis, ou a missanga, com olhos de vidro, beiços de vidro, e lagrimas tambem de vidro, sobre um retalho de panno que se encaixilha e que tem por baixo, a oiro, a data da confecção do monstro feita em cruz, e em formosas letras de bastardinho, egualmente a canotilho de ouro:

Elvira Fernandez me fecit.


Ao fim de um anno de vida domestica D. Elvira esqueceu as linguas, das quaes aprendeu precisamente o indispensavel para escapar, caindo-lhe um thema facil e um examinador carinhoso, como muito bem dizia Polycarpo nos seus annuncios de agradecimento. Esqueceu as linguas porque as não pratica na conversação ou no estudo, e não sabe uma palavra das leis da linguistica, que fixam e systematisam os conhecimentos theoricos da formação das palavras.

Resta-lhe a faculdade de patinhar no piano a Prière d'une vierge ou Les cloches du village, e de continuar a bordar em seda ou em casimira os abortos que derramam compungidamente o seu choro de vidrilhos nas almofadas do salão, aos cantos do sofá, e sobre os assentos das poltronas.

Polycarpo reconhecerá então—demasiado tarde, ai de mim! ou antes «ai d'elle!» ou melhor ainda «ai de nós todos!»—que D. Elvira possue, no estado mais exemplarmente encyclopedico, a ignorancia cabal de tudo quanto precisa de saber a mulher para ser na casa uma das rodas em que versa a familia sensata e dignamente constituida, na qual Elvira tem a sua difficil funcção que exercer como filha, como irmã, mais tarde como esposa, e finalmente como mãe.


De tal modo os exames das meninas no lyceu nacional, compromettem absolutamente os fins da educação, desviam-a do verdadeiro ponto de vista pedagogico, são uma ostentação ridicula, offendem o bom gosto, desprimoram a delicadeza e a dignidade senhoril, assopram o pedantismo, incham a frivolidade e incapacitam a mulher para a missão a que ella é chamada na familia.


Entendemos portanto que—desde o momento em que Fernandes é bastante obtuso para não prever os perigos da falsa educação ministrada a sua filha, e não só não protesta contra o programma absurdo de D. Jeronyma, mas antes lhe enderessa applausos de um enthusiasmo inexcedivel,—ao Estado cumpre intervir; não se tornar solidario das illusões de Fernandes; e proteger Elvira. Como? Retirando a Fernandes e a D. Jeronyma o direito de a levarem a exame.


Levar a exame! Só a palavra é um ultrage da dignidade feminil. Submetter pelo despotismo do direito paterno tudo quanto ha mais delicado, mais melindroso, mais susceptivel de corromper-se—o espirito virginal de uma menina,—ao interrogatorio official de um mestre que durante vinte minutos vae exercer sobre aquella alma a tyrannia espiritual de um confessor! Um tal inquerito, um tal julgamento, póde ser desculpavel na educação de um rapaz, para quem o exame é uma habilitação legal para a sua carreira civil; na educação de uma menina portugueza similhante prova é inadmissivel e equivale a uma amputação do decoro.

Ora se nenhuma mestra e se nenhum pae tem o direito de cortar as orelhas a uma creança para a tornar mais bonita, assim nenhum pae e nenhuma mestra podem ter a auctoridade de fazer examinar uma menina para a tornar mais educada.

Pelo que, a obrigação do Estado seria prohibir os exames da instrucção primaria e de instrucção secundaria para todas as pessoas do sexo feminino que não juntem ao requerimento de matricula attestado de maioridade e de emancipação legal.


Em um exame de instrucção primaria n'um dos nossos lyceus deu-se este dialogo:

O examinador—Que faz a menina quando se vae deitar?

A examinanda—Quando me vou deitar ...

O examinador—Sim! Quando se vae deitar o que faz? Diga.

A examinanda(córando até á raiz do cabello e baixando os olhos)—Quando me vou deitar ... dispo-me.

O examinador—E depois de se despir?... Responda! Depois de se despir o que faz?... A menina não ouve?... Ou finge que não ouve?!... O que faz depois de se despir?

A examinanda—Tenho vergonha ...

O examinador—Não tenha vergonha. Responda para diante!

A examinanda—Depois de me despir o que eu faço é ...

E n'este ponto a examinanda, com a face afogueada pelo rubor do pejo, com os olhos cheios das lagrimas do terror, na lingua adoravel dos cinco annos, n'essa lingua que os homens só fallam ás suas mães na pureza da innocencia primitiva, n'esse dialecto infantil ainda mais casto do que as linguas mortas, traduziu a locução de Plinio: urinam ex se emittere.

O professor a que nos referimos foi intimado a não proseguir pelo presidente da mesa, o sr. Augusto Soromenho, cujo testemunho invocamos.

É assim que nos exames de instrucção primaria se averigua se as alumnas sabem ou não «civilidade».


Se a sr.ª D. Jeronyma carece das noções precisas para dirigir a educação de uma menina, é preciso dar-lhe essas noções, ou prohibil-a de educar, restringindo-lhe o direito de corromper a intelligencia da infancia.

A reforma da instrucção das mulheres é em Portugal ainda mais urgente que a da instrucção dos homens.

As linguas não constituem instrucção, porque não ministram conhecimentos, são apenas meios de os adquirir.

Esses conhecimentos indispensaveis á mulher deveriam constar, na educação elementar, dos seguintes ramos de ensino:

1.° Curso de aceio e de arranjo;

2.° Curso de cozinha (chimica culinaria).

3.° Contabilidade, escripturação e economia domestica.


No curso do primeiro anno dos collegios toda a menina aprenderia, juntamente com as necessarias habilitações litterarias para adquirir idéas, as seguintes noções praticas:

Os processos scientificos mais perfeitos de lavar e de enxugar a roupa branca, o fato, as rendas finas, os tulles, as sedas, os tapetes, as esponjas, as escovas; de conservar e concertar todos os objectos do uso domestico; de regular o uso do banho, de lavar o cabello, de fazer os melhores pós de dentes, a melhor pomada, a melhor agua de toilette; de arejar e de desinfectar os aposentos; de polir os metaes e as madeiras; de encerar os soalhos; de limpar os vidros e as laminass dos espelhos; de envernisar os quadros; de concertar os livros e as estampas. Aprenderia ainda os methodos mais hygienicos ou mais racionais: de escolher os aposentos de uma casa, segundo o fim a que cada um d'elles se destina; de dispor os moveis; de pendurar os quadros; de collocar a bateria das caçarolas; de montar a despensa e a garrafeira; de fazer os inventarios e os roes; de dobrar e guardar a roupa branca e a roupa de mesa em lotes numerados; de pôr a mesa para os grandes e para os pequenos jantares.

Este curso completar-se-ia com algumas noções accessorias: dos differentes generos de mobilia e do seu estylo caracteristico nas épocas mais notaveis da historia da arte ornamental; das principaes louças, vidros, crystaes, tecidos empregados nos estofos da mobilia e no vestuario, e historia da fabricação d'esses estofos.


No curso de chimica culinaria, do segundo anno do collegio, a menina aprenderia, primeiro que tudo, a fazer um caldo.

O caldo é a base do toda a alimentação sabiamente dirigida, não porque o caldo de per si só constitua um alimento importante, mas porque é o caldo bem feito que estimula o systema intestinal e o habilita para uma boa digestão.

Toda a mulher que não sabe fazer um caldo, deveria ser prohibida de dirigir uma casa. Sobre a ignorancia culinaria da maior parte das senhoras portuguezas pesa a responsabilidade tremenda da dyspepsia nacional.

Não temos estomagos sãos porque não temos mulheres instruidas. Esta affirmação póde parecer uma phantasia do estylo; é uma pura verdade physiologica e é um facto social. Em Lisboa ignora-se completamente o que é um caldo, porque esse delicado producto chimico só o sabem preparar os cozinheiros de 5:000 francos de ordenado. As familias que não podem aggregar-se funccionarios d'esse preço e que não são dirigidas por senhoras que saibam o seu officio, tomam, em vez de caldo, um liquido gorduroso e opaco, mais ou menos condimentado e indigesto. A condição essencial do caldo bem feito é que elle contenha a maxima quantidade de materias odoriferas extraídas da carne, (vid. Liebig), que não tenha o minimo vestigio de gordura, que seja aromatico e perfeitamente transparente.

Se tivessemos alguma esperança de que a sr.ª D. Jeronyma o ensinasse ás suas educandas, dir-lhe-iamos como um caldo se faz. Mas a sr.ª D. Jeronyma acha mais util ensinar o que é o substantivo. Como se alguem no mundo precisasse, para o que quer que fosse, de saber o que o substantivo é! Como se immensas pessoas (em cujo numero nos contamos), não estivessem mesmo convencidas de que jámais existiu na natureza o substantivo, e que elle é uma pura chimera menos interessante que o papão!

Ha todavia no mundo quem não seja inteiramente da opinião da sr.ª D. Jeronyma. Um dos sabios mais eminentes do mundo actual, o sr. Wirchow, demonstrava ha pouco tempo em Berlim que a intima correlação que existe no seio de uma sociedade entre a condição das mulheres e o progresso da civilisação depende de uma outra correlação não menos intima que existe entre a mulher e a cozinha. O principal agente do temperamento de um povo, do seu caracter, da formação das suas idéas, é a sua alimentação. É principalmente pela sua inflencia na cozinha que a mulher civilisada governa o mundo e determina o destino das sociedades.

Em Londres os mais importantes jornaes, como a Quaterly Review, teem chamado para este assumpto a attenção dos poderes publicos e da iniciativa particular por meio de muitos artigos successivos ácerca da regeneração da cozinha, da arte de jantar, do estudo comparativo das cozinhas dos differentes póvos, etc.

A Inglaterra comprehendeu finalmente que a circumstancia de não saberem as suas mulheres fazer bom caldo constituia uma inferioridade nacional e compromettia o destino do povo inglez. Para remediar este mal, que obstava ao desenvolvimento e ao aperfeiçoamento physico e moral dos seus habitantes, a Inglaterra fundou, em 1876, um notavel estabelecimento publico de educação feminina intitulado Escola nacional de cozinha. O numero das alumnas matriculadas na nova escola subiu rapidamente a cerca de duas mil. Para satisfazer as necessidades do ensino foi preciso estabelecer não menos de vinte e nove succursaes da escola de cozinheiras. Entre as alumnas que frequentam essas escolas figuram meninas das mais aristocraticas familias da Inglaterra. Algumas estão inscriptas como simples ouvintes e assistem aos trabalhos tomando as competentes notas nos seus cadernos; muitas outras atam o avental e descem aos processos indo trabalhar alegremente á banca das operações, ou junto do fogão, vigiando a cassarola e o espeto.

Um só facto basta para evidenciar a vantagem d'esta especie de ensino na economia domestica: As classes de cosinha da instituição britanica estão divididas em varias secções dependentes do orçamento a que as familias teem de cingir as suas despezas; ha uma secção destinada a ensinar os meios de alimentar do modo mais hygienico e mais agradavel uma familia que não possa applicar á cozinha mais que uma verba de 1$600 réis por semana! Em Portugal tão descurado está este importante assumpto que, não obstante a fertilidade do nosso solo e a benignidade do nosso clima, é inteiramente impossivel estabelecer com 1$600 réis por semana um conveniente regimen alimenticio para uma familia de quatro pessoas.

O curso de cozinha nos collegios portuguezes deveria ser organisado praticamente como na Inglaterra, ensinando-se ás alumnas o valor chimico das principaes substancias empregadas na alimentação, o seu preço ordinario no mercado, a sua acção physiologica sobre o nosso organismo, o modo de variar os jantares segundo as occupações de cada dia, segundo o temperamento de quem tem de os assimilar, e segundo as estações do anno em que elles houverem de ser feitos.


No curso de contabilidade do terceiro anno dos collegios, as alumnas deveriam aprender a escripturar methodicamente a receita e a despeza da familia, suppostos dados rendimentos, desde os mais estreitos até os mais avultados, calculando desde o principio do anno o modo de manter o balanço entre as posses e os gastos, lançando em conta de receita todos os proventos e fixando-se nas verbas de despeza proporcional nos differentes capitulos orçamentaes: a renda da casa, a acquisição e os reparos da mobilia, o vestuario, o serviço, a illuminação, a lavagem, as despezas imprevistas, e o fundo de reserva—verba essencial, indispensavel em todo o orçamento, grande ou pequeno, de toda a casa sabiamente dirigida.


Fortalecida com a educação feita n'estas bases, esboçadamente expostas, a mulher terá dado o primeiro passo, mas o passo definitivo para a sua verdadeira emancipação. Porque emancipar-nos não é em ultimo resultado mais do que isto: habilitamo-nos a prestar na sociedade serviços equivalentes ou superiores áquelles que recebemos. Com a mulher invencivelmente armada com as aptidões que requisitamos para que ella seja a alma do governo domestico, o casamento deixa de ser a ruina com que nos ameaça o proloquio vulgar: uma casa é uma loba. Não; a casa, dirigida como a mulher deveria aprender a dirigil-a, é a ordem, é o methodo, é a economia, é a estabilidade, é a fixação do destino, é o baluarte do homem. A funcção da mulher bem educada é essencialmente protectora. Na lucta da vida por meio da alliança conjugal e da ligação domestica, o homem é a espada, a mulher é o escudo. O fim da educação feminina é compenetrar a mulher da responsabilidade da sua missão e fortificar-lhe o braço que tem de ser o nosso amparo querido, o nosso doce refugio.

Se a mulher imagina que o casamento, seu natural destino, é um facto dependente dos encantos da sua belleza e do seu agrado, a mulher engana-se deploravalmente. Os modernos trabalhos estatisticos provam com factos n'um periodo do cem annos que o numero dos casamentos está sempre em relação constante com o preço dos trigos. Se o pão encarece os casamentos diminuem. A' baixa no preço do pão corresponde pelo contrario uma elevação proporcional no numero dos casamentos. O casamento, portanto é um facto moral estreitamente ligado não a um phenomeno esthetico mas a um phenomeno economico. A base do casamento é a economia. A economia domestica é a primeira das aptidões com que deve dotar-se a mulher.


Em todos os paizes civilisados, por toda a parte do mundo, a educação da mulher está passando por uma revolução profunda suscitada pelos esforços de todos os pensadores. A educação vulgar da mulher moderna reconheceu-se que constituia um elemento dissolvente da dignidade e da aspiração das sociedades contemporaneas. Na antiga Roma a doçura, a graça, a ternura, todos os attractivos sentimentaes que ainda hoje vemos cultivados na educação das mulheres honestas eram attributos exclusivos das cortezãs. Um critico notou como nas comedias de Plauto as matronas não conhecem as effusões e os arrebatamentos da paixão; não são timidas nem scismadoras; têem o ar decidido, fallam em tom firme e viril. As meninas ricas eram educadas em casa com seus irmãos por escravos instruidos e letrados; recebiam as mesmas lições e estudavam nos mesmos livros. As pobres iam ás escolas publicas, no Forum, juntamente com os rapazes, como actualmente acontece nos Estados Unidos.

Na idade média, quando os bomens, dedicando-se inteiramente ao officio das armas, não tinham tempo de cultivar o espirito pelo estudo, as senhoras da alta sociedade, como vemos nas condessas de Champagne, na mãe de Godofredo de Bulhões, na amante de Abeilard, recebiam a mais esmerada educação litteraria. Sabiam o latim, conheciam os antigos poetas e os moralistas e estudavam os elementos da physiologia e da meteorologia nas obras dos arabes.

Em todas as civilisações a mulher bem educada se habilita para desempenhar o papel que lhe cabe na harmonia social.

Na nossa época de fria analyse, de implacavel utilitarismo, a primeira das obrigações da mulher consiste em tornar-se util. Ser util é para ella o grande segredo de ser querida, de ser forte, de ser dominadora. Toda a educação feminina tem de partir d'este principio.


A alta cultura do espirito, tão necessaria á mulher para que ella assuma na sociedade a parte do poder a que tem direito, não se ministra nas escolas, adquire-se pelo esforço e pela applicação individual dirigida por um criterio, por um methodo, por uma disciplina, que a mulher só póde adquirir na grande escola pratica da vida domestica. Todas as noções que nos possa ministrar o estudo das sciencias mais superiores estão subordinadas para a sua assimilação no nosso espirito a esta noção previa: a noção da responsabilidade e do dever. Ora essa noção primordial só a adquire a mulher nas praticas da vida domestica.

O aperfeiçoamento intellectual das mulheres não só não é incompativel, como algumas julgam, com a perfeita direcção do ménage, mas antes depende essencialmonte do grave estado de espirito que essa direcção impõe.

Em Portugal, onde a sciencia do governo da casa é tão lastimosamente ignorada, vejamos quaes são as producções do espirito feminino, quaes são os fructos da educação litteraria desalliada da educação domestica.

Os almanachs da sr.ª D. Guiomar Torrezão têem o grande valor historico de serem o repositorio d'esses fructos. É por esses almanachs que a posteridade tem de julgar do valor intellectual das nossas contemporaneas.

Acabamos de folhear do principio ao fim um numero do Almanach das Senhoras, que temos presente. Temos tambem presente a Gazeta das Salas, egualmente redigida por senhoras. Deus nos defenda de que qualquer estrangeiro procure julgar sobre estas producções litterarias do estado do espirito feminino na sociedade portugueza! Em todas estas collecções dos trabalhos intellectuaes das nossas mulheres—sentimos dizel-o—não ha um só artigo grave, serio, meditado, revelando conhecimentos praticos, aspirações elevadas, pensamentos nobres. De tantos problemas sociaes que affectam a condição da mulher na sociedade contemporanea e que sollicitam a attenção d'ella, para serem resolvidos pela parte mais interessada e mais compentente da humanidade, nem um só foi julgado digno do estudo d'alguma das senhoras que fazem imprimir e publicar os seus escriptos em Portugal! Estas senhoras produzem versos—não como os de madame Hackerman, cujos poemas recentemente publicados constituem uma revolução na poesia moderna e são o grito mais profundo e mais lancinante que ainda expediu no mundo a alma mais sedenta de verdade e de justiça,—mas sim trovas d'uma sentimentalidade de segunda mão, sem ideal, sem paixão, d'uma pieguice grotesca. Escrevem tambem pequenos contos ou novellas d'amores infelizes, cujos personagens se tratam por excellencia e se requebram em artificios d'um dandysmo, cuja legitimidade está longe de poder ser absolutamente garantida, não dizemos já n'um congresso de gentlemen, mas n'um simples tribunal de cabelleireiros. E é para nos dar estes lamentaveis fructos da sua educação exclusivamente litteraria, que tanta menina honesta sacrifica o tempo que devia consagrar aos nobres trabalhos do ménage, tornando-se, em vez d'uma digna mulher util, apta para acompanhar, para comprehender e para ajudar o homem, uma pobre e misera creatura neutra, desorientada da vida real, incapaz de qualquer emprego na vida pratica, cheia de falsas aspirações, de desenganos e de tedios permanentes.

Compare-se o Almanach das Senhoras, com as collecções estrangeiras collaboradas por mulheres. É esse o melhor modo de reconhecer como a educação pratica da ménagère, eleva o espirito, como a educação litteraria do collegio portuguez o deprime e avilta.

O Jornal das donas de casa da Allemanha, tem aperfeiçoado profundamente os costumes e os habitos da vida domestica.

Na Inglaterra o texto da grande Revista das mulheres inglezas consta de artigos de critica litteraria ou de costumes, de philosophia, de physiologia, de economia politica e de economia domestica, de narrativas de viagens, relatorios, estatisticas, receitas culinarias, noções praticas. Não ha um romance sentimental, nem uma poesia lyrica, nem uma réclame de modas.

Taine cita no seu livro ácerca da Inglaterra varios artigos de mulheres publicados nas Transactions of international association for the promotion of social sciences. Os artigos intitulam-se:

Escolas districtaes para os pobres na Inglaterra, por Barbara Collett;

Applicação dos principios de educação ás escolas das classes inferiores, por Mary Carpenter;

Estado actual da colonia de Mettray, por Florence Hill;

Estatistica dos hospitaes, por Florence Nightingale;

A condição das mulheres operarias em Inglaterra e em França, por Bessie Parkes;

A escravatura na America e sua influencia na Grã-Bretanha, por Sarah Remand;

Melhoramento das «nurses» nos districtos agricolas, por mistress Wigins; Relatorio da sociedade fundada para fornecer trabalho ás mulheres, por Jone Crowe, etc..

Todas estas auctoras, de quem Taine obteve informações pelos muitos amigos que tinha na sociedade ingleza, eram mulheres de casa, passando uma vida extremamente simples e retirada.

Assim temos que na Inglaterra e na Allemanha a escola das ménagères produz as mais graves e mais importantes escriptoras. Em Portugal a educação literaria, segundo os programma dos lyceus, nem dá ménagères nem dá literatas.

Se o ensino das mulheres se reformasse de modo que désse alguma coisa?...






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